Ele dizia: ‘Arrependei-vos, porque perto está o Reino dos Céus’.
Comentário de A. T. Robertson
Arrependei-vos. É uma pena que a palavra de ordem de João tenha encontrado tão pouca sorte na tradução. A palavra grega metanoeo significa mudar a mente (coração) e assim a vida. João fez um apelo aos que o ouviam para que fizessem uma mudança radical e fundamental em toda a sua atitude espiritual. Era uma revolução espiritual que ele exigia. A palavra portuguesa “arrepender-se” vem de uma palavra latina tardia e significa lamentar. João não exortou o povo a se entristecer. Isso foi um acompanhamento natural da mudança exigida por ele, mas a tristeza poderia existir e a mudança não ser feita. Paulo distingue entre tristeza e mudança (chamada “arrependimento”) em 2Coríntios 7:9 f. É um erro de tradução ainda pior da palavra metanoeo quando é traduzida como “fazer penitência”. O grego usa outra palavra para mera tristeza ou mesmo remorso, como quando Judas “se arrependeu” (Mateus 27:3). Essa palavra é metamelomai. O chamado de João para “mudança” era praticamente o mesmo que a “conversão” exigida pelos profetas do Antigo Testamento (Joel 2:12; Isaías 55:7; etc). Essa conversão (ou arrependimento) foi considerada necessária em vista da aproximação do Messias, que, de acordo com os atuais motivos da escatologia, julgaria o mundo. João provavelmente sentiu essa necessidade para a nação como um todo, mas o peso de sua mensagem é para a consciência e a vida individual. O próprio Jesus aceitará esse mesmo chamado de João (Mateus 4:17) e Pedro o fará a seus ouvintes no grande dia de Pentecostes (Atos 2:38). Jesus de fato usou “crer” com muito mais frequência. Com ele, a “confiança” resumia melhor a exigência feita ao homem.
perto está. O tempo perfeito do verbo deve ser notado aqui: “se aproximou”. Isso não pode significar que ele considerava o reino ainda muito distante. O ponto principal de sua distinta mensagem era que a era messiânica há tanto tempo predita pelos profetas chegou. Ele quis dizer, Estamos bem nos portões. Próximo está o próprio Messias que aparecerá a qualquer dia, que talvez já esteja de fato em reclusão. Era um dever presente que João insistia por causa do grande evento que agora se aproxima. O elemento de julgamento está presente na ideia de João sobre o reino (como na de Jesus), mas somente para aqueles que se recusaram a “conversão” ou “mudança”. Para aqueles que se “arrependeram” e obtiveram o perdão dos pecados, o reino veio como uma presente alegria e bênção. A nuvem pairava cheia de angústia para a grande maioria que só se comovia externamente com a mensagem. O ar estava eletrizado com expectativa, esperança e medo.
o Reino dos Céus. Só esta expressão ocorre em Mateus (32 vezes). Marcos fala do Reino de Deus quatorze vezes e Lucas trinta e duas vezes. Mateus também usa Reino de Deus várias vezes (Mateus 12:28; Mateus 19:24; Mateus 21:31, 43) e está efetivamente implicado no “seu” em Mateus 6:33; 13:41; 16:28, e no “teu Reino” (Mateus 6:10; Mateus 20:21), o reino de meu Pai” (Mateus 26:29), “o reino de seu Pai” (Mateus 13:43). Também ocorre meramente “o reino” (Mateus 4:23; Mateus 8:12; Mateus 9:35; Mateus 13:19). A explicação mais provável é que Jesus usou tanto o reino de Deus” quanto o “reino dos céus”. Por alguma razão, possivelmente em respeito ao hábito judaico de evitar o nome da divindade, Mateus preferiu principalmente usar “o reino dos céus” sem querer traçar qualquer distinção nítida entre as duas expressões. O céu é a casa de Deus. A palavra “reino” é a preferida de Jesus no ensino sinóptico para a nova ordem das coisas, o governo de Deus no coração dos homens, que é a esperança e o objetivo de seu ministério. Nas Epístolas, a palavra “evangelho” é mais comum, embora “reino” continue sendo usada. No Apocalipse, no entanto, “reino” é novamente mais frequente. A palavra “reino” estava disponível em uma era imperialista e foi bem adaptada à história monárquica dos judeus e à ideia teocrática do governo soberano de Deus. O reino implica o rei. Deus é o Rei. Aqueles que aceitam seu governo são seus súditos. Deus possui a autoridade real e exerce o governo real sobre e nos corações de seus súditos. O reino de Deus é, portanto, o conteúdo mais frequente do termo no Novo Testamento. Não é um reino político como o de César. Portanto, não é deste mundo em natureza ou espírito (João 18:36). Não é uma organização externa, mas sim um organismo. É a vida eterna (expressão preferida no Evangelho de João). Não é composto pelos membros das igrejas locais. Sua composição não corresponde à de nenhuma ou de todas as denominações. It is a kingdom of reality, not of profession. Seu único paralelo com a palavra “igreja” é o sentido geral desse termo para os remidos. Às vezes, mais de uma palavra é necessária em português para destacar o contexto completo. No Novo Testamento não ocorre no sentido de território. Em muitas passagens dos Evangelhos, o termo tem uma atmosfera apocalíptica e se refere à consumação futura com possíveis aspectos cataclísmicos. Este uso é indiscutível, mas é uma restrição equivocada da palavra tentar colocar todos os usos nesta categoria. As experiências espirituais em Mateus 5:3-10, a exigência ética em Mateus 6:33, a interioridade e realidade espiritual presente (Mateus 15:10-20; Lucas 17:20 f; Romanos 14:16), estas e outras passagens como elas refutam uma compreensão tão unilateral do significado da palavra. O reino é visto ora como presente, ora como futuro; agora como começo, agora como consumado; agora como neste mundo, agora como no próximo; ora como individual, ora como social. Mas é sempre espiritual, real, eterno, o maior bem possível aos homens. Embora dificilmente João tenha usado o termo no sentido cristão completo, o fato de ele enfatizar a confissão e a remissão dos pecados (Mateus 3:6; Marcos 1:4), a importância de uma vida correta (Mateus 3:8) , a obra do Espírito Santo (Mateus 3:11), mostra que ele tinha um entendimento real sobre as realidades espirituais e não era um mero entusiasta selvagem ou um mero pregador de ideias escatológicas do seu tempo. [Robertson, 1907]
Todas as Escrituras em português citadas são da Bíblia Livre (BLIVRE), Copyright © Diego Santos, Mario Sérgio, e Marco Teles, com adaptação de Luan Lessa – janeiro de 2021.