Jesus esteve diante do governador, e o governador lhe perguntou: És tu o Rei dos Judeus? E Jesus lhe respondeu: Tu o dizes.
Comentário de J. A. Broadus
Jesus esteve diante do governador, ou seja, Pilatos (Mateus 27:2). Era de manhã cedo (Mateus 27:1; João 18:28). O local era provavelmente o Castelo de Antônia, no canto noroeste da área do templo, ou o grande palácio de Herodes, o Grande, no lado oeste da cidade, perto do atual Portão de Jafa. No momento, não parece possível decidir com certeza entre essas duas localidades. A palavra grega traduzida como “governador” é um termo geral que significa líder, governante, ou governador de maneira ampla, como em Mateus 10:18, 1Pedro 2:14, e frequentemente aplicada a um procurador romano, como ao longo deste e dos capítulos seguintes, e também em Atos 24:1 até Atos 26:32; às vezes também usada em Josefo.
Quando Arquelau foi exilado em 6 d.C. (compare com o final do capítulo 2), a Judeia e Samaria foram transformadas em uma província romana, governada por um procurador que residia em Cesareia, a capital política, e visitava Jerusalém em ocasiões especiais, especialmente durante as grandes festas. O sexto procurador, de 26 a 36 d.C., foi Pôncio Pilatos, mencionado não apenas no Novo Testamento e em Josefo, mas também por Tácito (“Anais”, 15, 44), que disse: “Cristo, no reinado de Tibério, foi executado pelo procurador Pôncio Pilatos.” Não sabemos nada sobre a história de Pilatos antes de assumir o cargo. Durante os quatro anos em que já ocupava a função, ele se tornou muito odiado pelos judeus, ao desconsiderar suas convicções e sentimentos religiosos. Quatro eventos são mencionados, todos aparentemente pertencentes a esse período inicial.
(a) Ao transferir seu exército de Cesareia para Jerusalém para o quartel de inverno, Pilatos enviou durante a noite estandartes com bustos de César, enquanto governadores anteriores usavam outros estandartes para respeitar o sentimento judeu contra imagens gravadas. Multidões de pessoas foram a Cesareia e passaram cinco dias e noites suplicando incessantemente pela remoção dessas imagens, o que ele recusou, por parecer um insulto a César. No sexto dia, Pilatos enviou soldados, ameaçando os suplicantes com morte; mas eles se prostraram e ofereceram seus pescoços aos soldados, dizendo que preferiam morrer a permitir a transgressão da lei. Assim, Pilatos cedeu e ordenou a remoção das imagens (Josefo, “Antiguidades”, 18, 3, 1; “Guerras”, 2, 9, 2-4).
(b) Filo, ao insistir com Calígula sobre o exemplo de Tibério, relata que Pilatos certa vez ofereceu escudos de ouro no palácio de Herodes, sem figuras, mas com inscrições. Após resistir por muito tempo aos apelos do povo, ele recebeu ordens de Tibério em Roma para removê-los. Veja essa obra curiosa, escrita logo após 40 d.C., a “Embaixada a Caio” de Filo, seção 38.
(c) Pilatos usou o tesouro sagrado chamado Corbã (Marcos 7:11) para construir um aqueduto de cerca de 80 km de comprimento. Na sua volta a Jerusalém, o povo se reuniu ao redor de seu tribunal com fortes clamores, e ele enviou soldados entre eles, que os espancaram brutalmente com bastões, matando muitos, enquanto outros foram pisoteados durante a fuga; e assim, nesse caso, ele triunfou (Josefo, “Guerra”, 2, 3, 9).
(d) Ele matou certos galileus enquanto ofereciam sacrifícios no templo, misturando seu sangue com o dos sacrifícios, o que, para os judeus, era uma combinação horrível de crueldade e profanação (Lucas 13:1). Não devemos nos surpreender que Josefo não relate esse incidente, pois Filo menciona os “assassinatos sucessivos sem julgamento” de Pilatos, declarando que ele temia qualquer apelo a Tibério, por receio de que uma embaixada também o acusasse de “aceitar subornos, saques, ultrajes e insultos deliberados, crueldade contínua e gravíssima”, e o caracteriza como “inflexível, teimoso, severo e maligno.”
Esses fatos e declarações ajudam a entender as relações entre os acusadores e o juiz no julgamento de Jesus perante Pilatos. Seis anos depois, o procônsul da Síria, superior do procurador, ordenou que Pilatos fosse a Roma, após uma queixa de sua crueldade contra certos samaritanos. Ele chegou a Roma após a morte de Tibério (“Antiguidades”, 18, 4, 1 f.). Eusébio relata (“História Eclesiástica”, II, 7) que, “no tempo de Caio (37-41 d.C.), Pilatos caiu em tanta desgraça que cometeu suicídio.” Justin Martyr, Tertuliano e Eusébio afirmam que Pilatos fez um relatório oficial a Tibério sobre o julgamento de Jesus; no entanto, esse relato agora existe apenas em escritos considerados falsos.
João relata como Pilatos saiu do pretório porque os líderes judeus não queriam entrar, e perguntou: “Que acusação trazeis contra este homem?” Eles responderam que ele era um malfeitor. Quando Pilatos lhes ordenou que o levassem e o julgassem eles mesmos, disseram: “Nós (enfático) não temos permissão para executar ninguém”; e, com isso, Pilatos percebeu que estavam planejando uma acusação grave. Ele deve ter ouvido falar de Jesus repetidamente nos últimos três anos, sobre as grandes multidões que o seguiam e os milagres relatados, mas também que Jesus parecia não ter ambições políticas. Lucas relata que eles disseram: “Encontramos este homem pervertendo nossa nação, proibindo dar tributo a César e dizendo que ele próprio é o Cristo, um rei.” Eles mantiveram a questão puramente religiosa em reserva (João 19:7) e apresentaram acusações políticas, que eram as únicas de interesse para um governador romano (comparar com Atos 18:12-17), e essas eram do tipo mais sério. Nos julgamentos romanos (Keim), grande importância era dada a uma confissão do acusado. Assim, Pilatos fez a pergunta registrada por Mateus, Marcos, Lucas e João: “Tu és o rei dos judeus?” Em Mateus e Marcos, essa pergunta exige algo dito pelos judeus que a justifique, o que João e Lucas fornecem. “Tu” é enfático, sendo expressamente destacado no grego.
Tu o dizes, ou seja, dizes o que é verdade (comparar com Mateus 26:25). João mostra que essa pergunta e resposta foram feitas em particular, dentro do pretório (João 18:33), e que Jesus explicou: “Meu reino não é deste mundo.” Vimos em Mateus 25:34 como nosso Senhor recentemente falava de si mesmo aos discípulos como rei, e em Mateus 26:64 como, diante do Sinédrio, ele se declarou o Messias, e assim, um rei. Provavelmente é a essa confissão de que ele era o rei dos judeus que Paulo se refere em 1Timóteo 6:13: “Cristo Jesus, que diante de Pôncio Pilatos testemunhou a boa confissão.” [Broadus, 1886]
<Todas as Escrituras em português citadas são da Bíblia Livre (BLIVRE), Copyright © Diego Santos, Mario Sérgio, e Marco Teles, com adaptação de Luan Lessa – janeiro de 2021.