Fábula

A principal característica de uma fábula é que nela animais ou plantas falam e raciocinam. O objetivo é dar uma lição moral, mas, por tratar de temas comuns tanto ao homem quanto às criaturas inferiores, seu ensinamento dificilmente alcança um nível espiritual elevado. Geralmente, ela apresenta uma espécie de sabedoria mundana ou critica a tolice e a fragilidade humana, muitas vezes de forma bastante cínica. Por isso, na Bíblia, as fábulas têm um espaço pequeno.

Fábulas no Antigo Testamento

Existem duas fábulas no Antigo Testamento, embora o termo “fábula” não seja usado explicitamente e nenhuma delas seja uma mensagem direta de Deus.

  • (1) A fábula de Jotão, em que as árvores escolhem seu rei, ilustra a tolice dos homens de Siquém (Juízes 9:8).
  • (2) A fábula de Jeoás sobre  cardo e do cedro (2Reis 14:9), sé a sua repreensão à presunção de Amazias – uma repreensão em si mesma cheia de desprezo arrogante, embora bem fundamentada.
  • Observação: Ezequiel 17:3-10 não é uma fábula, mas uma alegoria.

No livro intertestamentário de Baruque (3:23), o termo “autores de fábulas” aparece para descrever sábios que ainda não encontraram a Sabedoria. Sirácida 13:17 e Mateus 7:15 parecem referir-se às fábulas de Esopo. Esse gênero literário foi bastante usado por professores judeus posteriores, e as fábulas de Esopo e outras aparecem frequentemente no Talmude.

Fábulas no Novo Testamento

Aqui o termo “fábula” tem um sentido diferente. Ele traduz o grego muthos (mito), que perdeu seu sentido original de veículo alegórico da verdade (como na República, de Platão) e passou a significar uma ficção enganosa, muitas vezes extravagante. Em 2Pedro 1:16, as “fábulas astuciosamente inventadas” parecem ser tentativas de alegorizar a história do Evangelho e a crença na Segunda Vinda. Nas Epístolas Pastorais, o termo aparece quatro vezes, referindo-se a um tipo de falsa doutrina que estava em voga em Éfeso e na Creta. Essas fábulas estão associadas a “genealogias intermináveis que promovem disputas” (1Timóteo 1:4) e são descritas como “fábulas profanas e de velhas mulheres” (1Timóteo 4:7), em contraste com a “doutrina saudável” (2Timóteo 4:4). São consideradas “judaicas” ou “mandamentos dos homens” (Tito 1:14), e as “genealogias” estão ligadas a disputas sobre a lei (Tito 3:9).

Quanto à natureza exata desses ensinamentos falsos, alguns pontos são geralmente aceitos:

    • (a) As referências não indicam o gnosticismo do século II, que era fortemente anti-judaico, mas sim uma forma mais antiga e menos desenvolvida, que mais tarde deu origem a sistemas mais elaborados. As heresias combatidas nessas epístolas não provam que elas tenham sido escritas em uma data tardia.
    • (b) Essa heresia pode ser chamada de “gnosticismo antecipado” e parece ter surgido da mistura de elementos orientais e judaicos (possivelmente essênios). A crença na pecaminosidade da matéria levou, por um lado, a um ascetismo extremo (1Timóteo 4:3) e, por outro, a uma liberdade moral sem limites (Tito 1:15-16).
    • (c) Há muitas evidências ligando esse tipo de ensinamento à Ásia Menor, como mostram as cartas aos Colossenses e a Tito, o livro de Apocalipse, as Cartas de Inácio e a trajetória de Cerinto. Ramsay observa que a Frígia era um ambiente propício para isso, pois os judeus locais eram particularmente permissivos em suas práticas.
    • (d) As “fábulas” podem se referir a especulações sobre éons, emanações, ordens de anjos e seres intermediários, características comuns a todas as formas de gnosticismo. Os Pais da Igreja do século II aplicaram essas passagens dessa maneira. Além disso, essas fábulas podem lembrar os adornos lendários e alegóricos das histórias do Antigo Testamento, que eram populares entre os rabinos judeus. Alguns mestres semi-cristãos podem ter adotado esses métodos, tornando a palavra “mito” especialmente apropriada para descrever esse tipo de ensinamento. [Adaptado de C. W. Emmet, Hastings, 1909]