Lilith é uma palavra enigmática que aparece apenas uma vez na Bíblia, mas que ganhou notoriedade no folclore e na mitologia religiosa. Descrita como uma espécie de coruja, um demônio noturno e, em lendas posteriores, como a primeira esposa de Adão, Lilith tornou-se uma personagem complexa que transcende sua breve menção bíblica.
Lilith na Bíblia
Na Bíblia Hebraica, o nome Lilith aparece explicitamente apenas uma vez, no livro do profeta Isaías. Em Isaías 34:14, o texto menciona lilith ao descrever a desolação que cairia sobre a terra de Edom, indicando que o lugar ficaria habitado apenas por criaturas selvagens e entidades da noite. Nesse versículo, Lilith é apresentada entre animais do deserto (como hienas e bodes selvagens) que passarão a habitar ruínas após o juízo divino.
Não há nenhuma outra narrativa bíblica que mencione Lilith pelo nome. Diferentemente de Eva, que é claramente identificada como a esposa de Adão em Gênesis, Lilith não é citada na história da criação nos textos canônicos. A popular interpretação de que Lilith teria sido uma primeira mulher de Adão antes de Eva não tem base nos textos bíblicos, sendo desenvolvida em escritos posteriores.
Significado e traduções do termo Lilith
O termo hebraico Lilith é um hapax legomenon (palavra que ocorre apenas uma vez na Bíblia), o que resultou em variações significativas em suas traduções:
- Septuaginta (LXX). Os tradutores judeus da versão grega (século III–II a.C.) entenderam Lilith como uma criatura mítica e a traduziram por onokentauros, um ser híbrido metade jumento e metade homem.

- Vulgata. Na tradução latina de Jerônimo (século IV d.C.), Lilith foi traduzida como lamia, um demônio feminino do folclore greco-romano que supostamente devorava crianças.
- Bíblias em inglês. A King James (1611) optou por termos como “screech owl” (coruja estridente) para traduzir Lilith, enfatizando a ideia de um animal noturno agourento (possivelmente uma coruja ou ave de rapina noturna). Outras versões em inglês preferiram expressões como “night creature” ou “night monster” (criatura ou monstro da noite) em vez de manter o nome próprio. Por exemplo, a NASB, a ASV e a JPS Tanakh, enquanto algumas traduções modernas, como a NRSV, chegam a usar “Lilith”.
- Bíblias em português. Nas Bíblias em língua portuguesa há variações marcantes. A Almeida Revista e Atualizada (ARA) traduz Isaías 34:14 usando “fantasmas”. Já a Tradução Brasileira (TB) optou pela palavra “bruxa” para descrever Lilith, reforçando a imagem de uma figura feminina maléfica. Por outro lado, traduções católicas mais acadêmicas como a Bíblia de Jerusalém mantêm o nome original – “Lilit” – no texto. Nessa versão, uma nota de rodapé esclarece o termo, indicando tratar-se de um demônio feminino do deserto ligado a ruínas. Há ainda traduções contemporâneas (NAA, NVI) que preferem expressões neutras como “criatura da noite” ou “espírito da noite”, evitando nomear diretamente Lilith.
As diferenças nas traduções refletem incertezas sobre o que exatamente Lilith designava. Alguns estudiosos defendem que “Lilith” seria originalmente um animal real, possivelmente uma espécie de coruja ou morcego do deserto, ao qual o povo atribuía características demoníacas. Isso explica por que traduções como a King James escolheram um tipo de coruja (uma ave noturna considerada agourenta) em vez de um nome próprio. Por outro lado, desde a antiguidade muitos entendiam Lilith como um ser sobrenatural. Tanto os tradutores da Septuaginta quanto Jerônimo, na Vulgata, interpretaram Lilith como um ente mitológico ou espiritual, não um simples animal.
Lilith, a primeira mulher de Adão?
A ideia de que Lilith foi a primeira esposa de Adão não tem base na Bíblia Hebraica, mas surgiu em textos judaicos medievais, especialmente no Alfabeto de Ben-Sira (séculos VIII-X d.C.). Esse relato apócrifo e satírico apresenta Lilith como uma mulher criada a partir do mesmo barro que Adão, diferentemente de Eva, que foi formada de sua costela. Por esse motivo, Lilith se via como igual a Adão e se recusava a obedecê-lo, o que gerou um conflito entre os dois.
Segundo a narrativa, quando Adão tentou impor sua autoridade sobre Lilith, ela rejeitou sua submissão e fugiu do Éden, refugiando-se perto do Mar Vermelho, onde se uniu a demônios. Deus enviou três anjos para convencê-la a retornar, mas Lilith se recusou, e como consequência foi amaldiçoada: cem de seus filhos morreriam a cada dia. Em resposta, ela passou a agir como um espírito vingativo que atacava bebês e mulheres grávidas. Essa tradição levou ao costume de usar amuletos com os nomes dos três anjos (Sansão, Senoi e Semangelof) para afastar sua influência.
A lenda pode ter sido inspirada por ambiguidades na narrativa da criação em Gênesis 1 e 2. No primeiro relato da criação (Gênesis 1:27), Deus cria “o homem e a mulher” simultaneamente, enquanto no segundo (Gênesis 2:21-22), Eva é criada a partir da costela de Adão. Algumas interpretações místicas judaicas sugeriram que a primeira mulher mencionada em Gênesis 1 seria Lilith, e Eva seria uma segunda companheira feita posteriormente.