E por quarenta dias foi tentado pelo diabo; e não comeu coisa alguma naqueles dias; e terminados eles, depois teve fome.
Comentário Cambridge
quarenta dias. O número estava conectado na mente judaica com noções de reclusão, revelação e perigo; – Moisés no Sinai, Êxodo 34:18; Elias, 1Reis 19:8; as andanças dos israelitas, Números 14:34; Juízes 13:1.
tentado. O particípio presente implica que a tentação foi contínua ao longo dos quarenta dias, embora tenha atingido seu clímax mais terrível no fim.
pelo diabo. Os judeus colocaram no deserto uma das bocas da Geena, e ali os espíritos malignos deveriam ter mais poder (Números 16:33; Mateus 12:43). São Marcos usa a forma hebraica da palavra – ‘Satã’. Ambas as palavras significam ‘o Acusador’, mas o Diabolos grego é muito mais definido do que o Satanás hebraico, que é vagamente aplicado a qualquer oponente, oposição ou influência maligna em que o espírito maligno deve operar (1Crônicas 21:1; 2Coríntios 12:7; 1Tessalonicenses 2:18). Esse uso é muito mais aparente no original, onde a palavra traduzida como “adversário” costuma ser Satanás, Números 22:22; 1Samuel 29:4; 1Reis 11:14, etc. Por outro lado, a palavra grega Diabolos é comparativamente rara no N. T. (A palavra traduzida como “demônios” para os “espíritos malignos” de possessão demoníaca é daimonia.) São Mateus também chama Satanás de “o tentador”. Poucos supõem que o Diabo encarnou em qualquer aparência hedionda visível. A narrativa da tentação só poderia ter sido comunicada aos apóstolos pelo próprio nosso Senhor. Não podemos duvidar de sua realidade intensa e absoluta; nem ainda que tenha sido narrado de forma a nos trazer a concepção mais clara possível de seu significado. Os melhores e mais sábios comentaristas de todas as épocas o aceitaram como a descrição simbólica de uma misteriosa luta interior. Outras especulações sobre os modos especiais em que as tentações foram efetuadas são inúteis e não temos dados a respeito. Disto só podemos ter certeza de que as tentações de nosso Senhor foram em todos os aspectos semelhantes às nossas (Hebreus 4:15; Hebreus 2:10; Hebreus 2:18); que havia “uma operação direta do espírito maligno sobre Sua mente e sensibilidade”; que, como diz Santo Agostinho, “Cristo venceu o tentador, para que o cristão não seja vencido pelo tentador”. Todas as indagações sobre se a impecabilidade de Cristo surgiu de uma “possibilidade de não pecar” (posse non peccare) ou uma “impossibilidade de pecar” (non posse peccare), são intrusões precipitadas no não revelado. O cristão se contenta com a certeza de que “em tudo foi tentado à nossa semelhança, mas sem pecado” (ver Hebreus 5:8).
ele não comeu nada. Mateus diz de forma mais geral que “Ele jejuou”, e a frase de São Lucas provavelmente não implica mais do que isso (ver Mateus 11:18). O Arabah, de qualquer forma, fornecia o suficiente para a simples manutenção da vida (Jos. Vit. 2), e em momentos de intensa exaltação espiritual as necessidades comuns do corpo são quase suspensas. Mas isso só pode ser por um tempo, e quando a reação começa, a fome afirma suas reivindicações com uma força tão terrível que (como tem sido mostrado repetidas vezes na experiência humana) tais momentos são carregados com o perigo mais extremo para a alma. Este foi o momento que o Tentador escolheu. Roubamos da narrativa da Tentação todo o seu significado espiritual, a menos que, ao lê-la, estejamos em guarda contra a heresia apolinária que negou a Humanidade perfeita de Cristo. O cristão deve ter em vista dois pensamentos:1. Tentação intensamente real. 2. Sem pecado absoluto. É a prova do homem ‘sentir a tentação’ (sentire tentationem); Cristo colocou ao nosso alcance a resistência (non consentire tentationi). A tentação só se funde com o pecado quando o homem consente com ela. [Cambridge, aguardando revisão]
<Todas as Escrituras em português citadas são da Bíblia Livre (BLIVRE), Copyright © Diego Santos, Mario Sérgio, e Marco Teles, com adaptação de Luan Lessa – janeiro de 2021.