Porém muitos primeiros serão últimos; e últimos, primeiros.
Comentário de J. A. Broadus
Porém muitos primeiros serão os últimos, etc. Esta declaração enigmática também é encontrada em Marcos 10:31. Em Mateus, nosso Senhor a ilustra com uma parábola, ao final da qual (Mateus 20:16) ele a repete. Na parábola, um empregador paga, e reivindica o direito de pagar, o mesmo salário a trabalhadores que começaram mais tarde no dia, assim como àqueles que começaram cedo.
Aqui, Jesus está falando das recompensas que serão dadas aos seus seguidores, declarando que essas recompensas serão concedidas como um ato de soberania, sem reconhecer qualquer reivindicação de precedência. A aplicação imediata para os Doze provavelmente se relaciona à ordem em que eles se tornaram discípulos. Nas disputas sobre quem teria a posição mais alta no reino (veja Mateus 18:1), que em breve seriam retomadas (Mateus 20:20), alguns discípulos poderiam naturalmente argumentar que os lugares mais altos deveriam ser dados aos que seguiram o Mestre primeiro.
Pelo que sabemos, os primeiros foram João e André, seguidos por Simão (Pedro), irmão de André, e logo depois Filipe e Natanael (João 1:35-51). Simão, André, João e Tiago (irmão de João) foram posteriormente chamados juntos para deixar seus trabalhos e seguir Jesus (Mateus 4:18-22). Esses quatro são frequentemente mencionados juntos e estão no início de todas as listas dos Doze (veja Mateus 10:2). Pedro, Tiago e João estiveram sozinhos com Jesus em momentos significativos, como na noite no monte (Mateus 17:1), da qual não deram relato aos outros (Mateus 17:9), e em outra ocasião notável (Marcos 5:37). Mais adiante, Tiago e João pediriam, por meio de sua mãe, os dois lugares mais altos no reino (Mateus 20:20).
Esses fatos tornam natural supor que a ordem de entrada no discipulado influenciava suas disputas. Nosso Senhor, então, afirma que ele, ou o Pai (Mateus 20:23), agirá como considerar adequado (Mateus 20:15) em relação à precedência. Muitos que entraram em seu serviço mais tarde receberão maior recompensa que outros que entraram antes. Ele não reconhecerá qualquer reivindicação baseada nessa ordem. Um exemplo notável seria o apóstolo Paulo.
Embora a mensagem imediata visasse conter disputas sobre essa questão de tempo, o princípio é apresentado de forma geral e pode ter outras aplicações. É pressuposto, como já indicado em Mateus 19:28 e seguintes, que os servos de Cristo serão recompensados de maneiras diferentes. Aqui aprendemos que essa recompensa não será regulada meramente pelo tempo gasto em seu serviço ou pelos resultados alcançados, mas será concedida conforme seu próprio julgamento e a vontade soberana.
Davi, que planejou construir o templo, será recompensado de forma tão verdadeira, e talvez tão generosa, quanto Salomão, que o construiu. Tiago, morto cedo, será recompensado de forma tão plena quanto seu irmão, que viveu por muito mais tempo.
A visão frequentemente repetida por alguns Pais da Igreja, de que essa passagem se refere a judeus e gentios, é insustentável. A recompensa igual para alguns que morreram cedo é ilustrada de forma semelhante no Talmude de Jerusalém (Berachot, cap. II, 8, Schwab), que oferece conforto em relação à morte precoce de um rabino. Um rei contratou muitos trabalhadores e, ao ver um que trabalhava excepcionalmente bem, retirou-o após duas horas para passear com ele. No final do dia, pagou a esse homem tanto quanto aos outros. Quando os demais reclamaram, ele disse: “Este homem fez mais em duas horas do que vocês em um dia inteiro.”
De forma semelhante, o jovem rabino conhecia a lei melhor quando morreu, aos 28 anos, do que qualquer outro poderia conhecer se vivesse até os 100 anos. Assim, a semelhança com a ilustração de nosso Senhor é apenas parcial, e o ponto de aplicação é bastante diferente, embora seja, por si só, muito satisfatória. [Broadus, 1886]
<Todas as Escrituras em português citadas são da Bíblia Livre (BLIVRE), Copyright © Diego Santos, Mario Sérgio, e Marco Teles, com adaptação de Luan Lessa – janeiro de 2021.