Paulo, servo de Jesus Cristo, chamado para ser apóstolo, separado para o evangelho de Deus,
Comentário de David Brown
(1-7) A SAUDAÇÃO. Ao contrário da “saudação” [chairein] que conhecemos das composições epistolares dos gregos e que é usada uma vez no Novo Testamento (Tiago 1:1), as Epístolas Paulinas começam com uma bênção para os destinatários, assim como a segunda carta de João e a de Judas. Porém, a saudação desta Epístola é única, pois inclui afirmações doutrinárias (como observa Olshausen), que a tornam uma unidade completa em si mesma. Nas Epístolas aos Gálatas e a Tito, algo semelhante pode ser notado, mas em menor grau. Tão rica e exuberante é a Saudação aqui, que é útil subdividi-la em partes para maior clareza.
Sendo um estranho em comparação àqueles a quem está prestes a se dirigir, Paulo inicia a Epístola com uma apresentação de si mesmo.
Paulo (sobre este nome, veja a nota em Atos 13:9), servo de Cristo Jesus [Ieesou Christou – não Christou Ieesou, com Tischendorf e Tregelles, com base na autoridade única de B e na antiga Vulgata Latina, com Agostinho e Ambrósio (que certamente seguiram sua própria versão latina); enquanto o Texto Recebido é apoiado por todos os outros Unciais, muitos cursivos, várias versões antigas e pelos pais gregos e latinos: Lachmann mantém o Texto Recebido.] No Novo Testamento, várias palavras são usadas para “servo”, das quais, exceto uma, transmitem a ideia de serviço voluntário [therapoon, hupeeretees, oiketees, diakonos, pais]. A única que denota serviço de escravo é a usada aqui [doulos] – ver Gálatas 3:28; 1Timóteo 6:1; Apocalipse 6:15. Trata-se de uma palavra mais frequente que todas as outras e, literalmente, significa “escravo”. Assim, Lutero a traduz pela palavra que denota serviço servil (“Knecht”). Porém, como as ideias repulsivas de servidão tendem a associar-se desagradavelmente a esses termos, talvez seja melhor evitá-los na tradução – lembrando sempre, no entanto, que, ao expressar a relação dos servos de Cristo com Ele, este termo invariavelmente significa “aquele que é propriedade de outro” e, portanto, está “sujeito à sua vontade e inteiramente à sua disposição”. Entre os primeiros cristãos, era considerado uma grande honra e privilégio estar em tal relação com Cristo, tanto que a palavra “servo” perdeu as associações repulsivas que costumava ter. No Apocalipse, ela é até usada para expressar a posição dos santos glorificados diante de Deus e do Cordeiro; enquanto seus serviços nessa condição são descritos pelo termo que denota serviço religioso – “Seus servos [douloi] o adorarão” [latreusousin] (Apocalipse 22:3).
Nesse sentido – de sujeição e devoção total a outro – é que o termo é aplicado no Novo Testamento aos discípulos de Cristo em geral (Romanos 6:22; 14:4; 1Coríntios 7:21-23; Apocalipse 19:2; 19:5), assim como no Antigo Testamento foi aplicado a todo o povo de Deus (Salmo 135:1; Isaías 65:13; Daniel 3:26). Além disso, assim como os profetas e reis de Israel tinham sido chamados oficialmente de “servos de Yahweh” (Deuteronômio 34:5; Josué 1:1), os apóstolos do Senhor Jesus se intitulam “servos de Cristo”, expressando uma sujeição e devoção a Ele que jamais ofereceriam a uma mera criatura. Nesse mesmo espírito, João Batista falou de si mesmo como indigno de realizar para seu Mestre, Cristo, a mais simples tarefa de um escravo (Marcos 1:7). Nesse sentido absoluto, então, é que o autor aqui se autodenomina “um servo de Jesus Cristo”.
chamado para ser apóstolo. Em seguida, Paulo se descreve como “chamado para ser apóstolo” [kleetos apostolos]. Alguns traduzem isso como “um apóstolo chamado”, mas isso poderia dar a entender que poderia haver apóstolos que não fossem chamados. Assim, acreditamos que a tradução da nossa versão é preferível. O chamado aqui mencionado refere-se àquela gloriosa manifestação de Cristo que o colocou no mesmo nível dos Doze originais (1Coríntios 15:7-8; Atos 26:16-18).
separado para o evangelho. Em três momentos distintos de sua vida ele foi divinamente “separado”, e a mesma palavra é usada para expressar cada um deles. Primeiro, no seu nascimento: “Quando aprouve a Deus, que me separou [aforisas] desde o ventre de minha mãe” (Gálatas 1:15) – ordenando todas as circunstâncias desde então, e todos os eventos até o momento de sua conversão, para treiná-lo para sua grande obra como servo de Cristo. Em seguida, quando chamado tanto à fé quanto ao apostolado de Cristo, ele foi oficialmente “separado [afoorismenos] para o evangelho”, como aqui é expressado. Por fim, na igreja em Antioquia, logo antes de sua designação para a vocação missionária: “Disse o Espírito Santo: Separai-me [aforisate] Barnabé e Saulo para a obra a que os tenho chamado” (Atos 13:2).
o evangelho de Deus. Isso significa não o evangelho “sobre Deus” (como interpretado por Crisóstomo), mas o evangelho do qual Deus é o glorioso Autor (como em Romanos 15:16; 2Coríntios 11:7; 1 Tessalonicenses 2:8-9; 1 Pedro 4:17). Ele chama de “evangelho de Deus” aqui, porque nos dois versículos seguintes ele falará de forma mais direta sobre o que Deus tem a ver com ele. [Jamieson; Fausset; Brown, 1866]
<Todas as Escrituras em português citadas são da Bíblia Livre (BLIVRE), Copyright © Diego Santos, Mario Sérgio, e Marco Teles, com adaptação de Luan Lessa – janeiro de 2021.